sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Encontro com Deus


Encontro com Deus:
Interpretação bíblica do Salmo 15
Mario Marcos Andrade da Silva*


Introdução

            Este trabalho pretende ser uma interpretação bíblica sobre o Salmo 15, nosso objeto de estudo. Para tais propósitos vamos utilizar ferramentas exegéticas, elas nos ajudam a conhecer o texto na sua forma e conteúdo. Abordaremos os seguintes itens: tradução do texto, data, autoria, lugar, gênero literário, forma e poesia, finalmente assunto de interpretação. Além do mais, forneceremos uma conclusão que possa ter relevância em nossa atualidade.

1.      O texto e sua tradução (Sl 15)[1]
           
1Senhor, quem será recebido em sua tenda?
Quem habita na montanha santa?
2 O homem de conduta íntegra
que prática a justiça
e cujos pensamentos são honestos.
3Ele não deixou à solta sua língua,
não fez mal aos outros.
nem ultrajou seu próximo.
4A seus olhos, o reprovado é desprezível;
mas ele honra os que temem o Senhor.
Se se prejudicar em um juramento, não se retrata;
5não emprestou seu dinheiro com usura,
nada aceitou para deitar a perder um inocente.
Quem age assim permanece inabalável.


 2.      Data, autoria e lugar

            A datação do Salmo é problemática pelo seu caráter poético. No entanto, tentaremos algumas aproximações a partir das dicas fornecidas pelo mesmo texto.

            O Salmo carece de informações históricas concretas, entretanto, fala de “tenda” (v.1). A referência pode nos indicar que o texto pertence à época pré-exílica. Também ele se encontra entre a coleção dos salmos de Davi que, segundo as pesquisas podem ser localizadas em tempos da monarquia.[2]

            No que concerne a autoria do Sl 15 consideramos o seguinte: aparentemente pertence a Davi porque afirma o cabeçalho. Mas a comunidade acadêmica tem mostrado que estes títulos foram acréscimos posteriores.[3] Porém, não sabemos quem é o autor do Salmo. Ele se apresenta como uma homenagem ao rei Davi.

            Em relação ao lugar, sendo o Sl 15 um fragmento antigo de uma liturgia (v.1a), isto pode nos indicar que o salmista encontrava-se no templo, local onde se reunia a comunidade cultual de Jerusalém (Sl 24,3; 33,14; 125,2).

3.      Gênero Literário
           
            Segundo Bortolini, trata-se de uma liturgia semelhante ao Sl 24.[4] Outro estudioso do saltério, Derek Kidner, também considera que se trata de uma liturgia e o compara a outros textos veterotestamentários como Ex 19,10-15; 1 Sm 21,4-5.[5]

            Podemos dizer que se trata de um salmo litúrgico, pois sua forma e conteúdo mostram parte do acontecimento cultual no templo (v.1).


4.      Forma e Poesia
           
Cabeçalho: salmo davídico
Frase principal: Senhor, quem habitará no teu tabernáculo?  (v.1)
Primeira estrofe: Critérios para entrar no templo. (v.2-5a)
Frase conclusiva: Quem assim procede nunca será abalado?  (v.5b)

            Com relação à poesia do Sl 15 podemos considerar sua característica hebraica. Ela se distingue pelo seu modo de repetir o sentido de suas frases. Por exemplo: ao observar o v.1 notamos que a palavra “hospedar-se” pode funcionar como paralelo de “habitar”; enquanto que “tenda” pode ser analisada junto à expressão “monte sagrado”.

            No v.2, a expressão “anda com integridade” vai unida a “pratica da justiça”. Igualmente “falar a verdade” se relaciona antonimamente com “deixar a língua correr”.  “Lesa seu irmão” tem conexão com “insultar ao próximo” (v.3). E “desprezar o ímpio” se mostra como ação contraria a “honrar os que temem a Javé” (v.4a). A ação de “jurar com dano próprio” devem ser estudados, especialmente, com a frase “não emprestar dinheiro com usura” e “nem aceirar suborno” (v.4b-5a). Depois observamos que o texto termina com uma frase conclusiva “quem age deste modo jamais vacilará” (v.5b). Ela conecta com o sentido da primeira frase do Salmo (v.1), deixando o texto como uma unidade literária coesa.  

5.      Assunto de interpretação
           
            O Salmo mostra um padrão de perguntas e respostas. No seu contexto vital existe uma controvérsia em torno da ética para habitar ou entrar no santuário. A teologia do texto se encaixa dentro da tradição profética (Isaías, Miquéias e Amós) que denuncia a exploração justificada pela religião.

            Vemos no primeiro versículo que o salmista faz um questionamento como introdução que dará o tom para o desenvolvimento do texto. É importante destacar a imagem do monte santo, porque segundo a tradição do êxodo (Ex 3.1; 19.2; 24.12), era o lugar de encontro com Deus. Porém, quando o salmista se empenha em indagar quem teria condições para entrar no templo, procura pôr os critérios para quem pretenda se encontrar com Deus.

            No v.2 o salmista começa a indicar esses critérios destacando a prática da justiça, que segundo Isaías 33.15, podemos entender como falar com retidão, ou seja, falar a verdade, que indica um verdadeiro interesse pelo próximo sem buscar benefícios para si; não tirar proveito de pessoas que estão em situação desfavorável; respeitar o direito do próximo e não ter prazer na violência.

            A partir do v.2 se constata que, para a teologia do salmista, a ética cotidiana não estava separada das celebrações litúrgicas. Tudo indica que o espaço sagrado exigia níveis profundos de transformação pessoal.

O Salmo destaca o adequado uso da língua (v.2b-3). Segundo outros textos contemporâneos, a língua podia ser comparada com uma “espada afiada” (Sl 52,4), pelo seu poder de ferir e matar. E, também, como o mesmo texto indica, a língua parecia ser o médio eficaz para “lesar o irmão”, “insultar” (v.3), planejar usura (v.5a), “subornar” (v.5b).  O mau uso da língua procura prejudicar o outro (Pv 6,19), e revela, segundo o conteúdo do texto, dois projetos de vida diferentes: o dos ímpios (v.4a) e o dos que temem a Javé (v.4b).

Logicamente que o Sl 15 apresenta a teologia da retribuição: separação de justos e pecadores e a visão de um Deus que acolhe os bons e despreza os ruins. Mas, o nosso interesse vai se centrar no aspecto de que não se pode servir a Deus sem servir aos irmãos (v.2-5).

            O salmista encerra respondendo a pergunta inicial (v.1) com relação aos que podem entrar ou habitar no monte santo: os v.2-5 deram a resposta. Os que praticam estes preceitos, também localizados em outras referencias bíblicas, (Ex 22.25, Lv 25.35-37; Dt 15.2) estão em sintonia com o desejo de Deus.

Algumas questões para refletir:

            Que lugar ocupa Deus na minha vida? Que lugar ocupam meus irmãos? Onde termina um, onde começa o outro? Existe um limite realmente? Nossa ética está em harmonia com os “sonhos” de Deus? Como tornar a pratica da justiça eficaz em nossas comunidades?

            Respondendo estas perguntas, também saberemos como é nosso encontro com Deus.


*O autor é bacharelando em teologia pelo (ICEC) Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos, além de especialista em escatologia e angelologia pelo Ide Missões.
[1] Tradução do texto extraído da Bíblia Tradução Ecumênica, São Paulo, Loyola, 1994.

[2] Nome do autor, Título do livro, Lugar, Editora, Ano, p.15.
[3] José Bortolini, Conhecer e rezar os salmos, São Paulo, Paulus, 2006, p.11-12.
[4] José Bortolini, p.70.
[5] Derek Kidner, Introdução e comentário dos salmos, São Paulo, Vida Nova, 1992, p.97.

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