domingo, 19 de junho de 2011

O NOVO DESCONCERTA



O novo desconcerta. E a novidade radical do mundo moderno desconcertou o pensamento religioso de tal forma que existem poucas comparações na história: a secularização e o ateísmo são os sinais mais evidentes de uma crise que afetou tudo. Entretanto, se é verdade que o novo desconcerta, normalmente traz também a possibilidade de invocação. As mudanças profundas não são uma resposta ao capricho de uns poucos, mas a uma necessidade do tempo. E isso significa que, por debaixo delas, há forças que trabalham a história, tratando de reorganizá-la de uma forma nova, mais adequada ao estado atual da humanidade. Essa reorganização, quando afeta o conjunto, constitui uma “mudança de paradigma”.
            Não se trata, portanto, de modificações localizadas ou de reajustes em apenas alguns elementos: mexe-se e se reestrutura a própria totalidade, em busca de uma nova compreensão global. Essa mudança não tem por que anular o passado; o que se exige é compreendê-lo e vivê-lo de outra maneira. Especialmente no caso de experiências profundas que afetam as raízes permanentes do humano: justamente por não ser uma pedra fossilizada na corrente da vida, mas seu alimento permanente exige retraduzir-se nas novas circunstâncias. Tratando-se da fé, isso é óbvio.
            A tentação, porém, já se sabe, é quase sempre a da inércia e da acomodação: resistir à mudança ou tentar defender-se dela com meros arranjos que não vão à raiz. Isso ocorre também no âmbito científico, como o demonstrou Thomas S. Kuhn, onde, por sua maior “positividade asséptica”, não seria de esperar. E se torna praticamente inevitável no terreno comprometido do religioso. Os tradicionalismos, fideísmos e fundamentalismos são a reação extrema, e por isso mesmo mais visível e fácil de superar. Mais sutil e conseqüentemente menos perceptível é a simples acomodação que, “lampedusianamente”, muda algo para que tudo permaneça como está.
            Creio que esse representa hoje o grande perigo do cristianismo nesse nível. Não por malícia ou estratégia, mas por mero instinto defensivo e pelo próprio peso da dificuldade. Compreendeu-se a necessidade de renovação, mas ela é feita pela metade: aceita-se em princípio a crítica bíblica, mas depois se fazem leituras fundamentalistas (caso do Novo Catecismo); aceita-se a necessidade de reformar a Igreja, mas depois se reforça o seu juridicismo centralista (caso do Novo Código). Em relação a nosso problema específico: se aceita a existência de uma mudança radical na concepção da revelação, mas continuam-se mantendo os antigos esquemas de fundo. Se esse é o perigo, convém olhá-lo de frente. Porque, ademais, a fé bíblica está especialmente preparada para tanto, pois se caracteriza justamente por uma historicidade radical (a ponto de ter sido ela que introduziu de modo decisivo, a idéia de história na cultura, rompendo o prestígio da concepção circular com seu eterno retorno: Nietzsche sabia-o muito bem). Por outro lado, exemplos como o da teologia da libertação mostram que, quando uma iniciativa dessas é levada a efeito com plena conseqüência, surgem problemas, é evidente, mas se alcança aquilo que é decisivo: a presença, no mundo, de uma fé viva, atual e operante.
            Ao olhar para igreja atual parece que há algo de errado, que de alguma forma ela conseguiu mudar seu propósito e sua natureza, conseguiu desviar-se do que a princípio foi estabelecido pelo próprio Jesus, isto é, uma metamorfose inversa, de borboleta a lagarta.
            A igreja Brasileira nos últimos anos foi invadida por aquilo que denominamos de teologias da anti-missão. Uma dessas teologias é a teologia da prosperidade que levou a igreja evangélica brasileira a uma mudança de paradigma. As igrejas, bem como seus ministérios, suas pregações e suas ações deixaram de servir para serem servidas. Neste processo nossa igreja busca somente satisfazer seus próprios interesses.
            Nos últimos anos a igreja deixou de ser agente missionário para se tornar uma instituição mercadológica onde o evangelho é vendido sem escrúpulos, e onde o melhor vendedor é aquele que possui uma mega-igreja ou uma igreja de destaque na sociedade, não por aquilo que faz mais pela aparência que tem. Tenho uma séria preocupação com o modo com que à igreja brasileira absorve modelos pré-prontos, tornando-os mais importantes os princípios teológicos da missão. Quando olhamos atentamente para a igreja brasileira percebemos que ela sofre de uma síndrome que a distancia a cada instante da sua natureza missionária. Nossas igrejas não conseguem desenvolver uma ação prática que possa transformar nossa comunidade.