terça-feira, 26 de julho de 2011

Ser discípulo de Jesus


DISCÍPULOS E JESUS
Por
Mário Marcos[1]

Expressão Grega: mathetes
            No Novo Testamento, a palavra grega mathetes, que significa “discípulo”, é encontrada exclusivamente nos Evangelhos e no livro de Atos. Embora Paulo nunca use o termo, muitas vezes ele descreve aqueles que tinham as características de serem discípulos. Nos Evangelhos, os seguidores imediatos de Jesus são chamados de “discípulos” e incluem os doze em seu círculo mais íntimo, mais os outros setenta.

Você é um Verdadeiro Discípulo de Jesus?
            A palavra "discípulo" aparece centenas de vezes no Novo Testamento, onde é usada para descrever os seguidores de Jesus com muito mais freqüência do que "cristão" ou "crente". Um discípulo é uma "pessoa que segue os ensinamentos de um mestre” [2]. Visto que o mestre dos cristãos é o próprio Jesus, o verdadeiro discípulo aprende e segue a vontade do Filho de Deus. Mas, será que todos que se dizem cristãos são verdadeiros discípulos do Senhor? Ao invés de olhar para outros e criticar, vamos examinar as nossas próprias atitudes e ações para ver se nós realmente somos discípulos de Jesus.

Como Jesus Define o Discípulo?
            Três dos relatos do evangelho incluem as palavras desafiadoras do Cristo: "Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me" (Lc-9:23; veja Mt-16:24; Mr-8:34). Encontramos aqui três elementos essenciais do verdadeiro discipulado, que apresentam desafios enormes: Negar a si mesmo. Enquanto o sistema mundial e muitas religiões começam com o egoísmo do homem, Jesus exige a autonegação. As igrejas dos homens convidam as pessoas a realizar seus sonhos de riqueza, felicidade sentimental e posições de honra, mas a mensagem do Senhor é outra. Ele pede que a pessoa negue os seus próprios desejos para fazer a vontade dele. Tomar a sua própria cruz. Jesus veio para oferecer a vida, mas o caminho para a vida passa pelo vale da morte. Não somente a morte do Cristo, mas a nossa também. Paulo disse: "Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim" (Gl-2:19-20). Seguir a Jesus. Várias religiões e filosofias exigem sacrifício e autonegação. Algumas ensinam "preceitos e doutrinas dos homens" que proíbem coisas que Jesus não proíbe (Cl-2:20-23). O benefício não vem de autonegação em si, ou simplesmente de tomar qualquer cruz. Jesus Cristo é o único caminho que leva à vida eterna (At-4:12).
Jesus o Rabino:
            Rabino é um sacerdote, que recebeu uma formação teológica judaica em uma Yeshiva publicamente reconhecida. Entretanto e, sobretudo, é um homem sensível ás fraquezas humana capaz de orientar as pessoas. Sem esta qualidade, independente do seu grau de erudição, não pode ser considerado um Rabino.
            Jesus era um Rabino – Rabinos são como intérpretes, auxiliam o povo a entender o que Deus está lhes dizendo com o texto e o que significa viver de acordo com esse texto. Rabinos tinham conjuntos de regras diferentes. Um conjunto de regras e listas de um rabino, que eram na verdade a interpretação dele de como pôr em prática a Torá (Torá significa “ensinamentos”, ou “instruções” ou simplesmente “Caminho” Torá são os cinco primeiros livros da bíblia, Genesis, Êxodo, Números, Levíticos e Deuteronômio), chamava-se jugo do rabino. Quando alguém seguia a determinado rabino, estava seguindo-o porquê acreditava que o conjunto de interpretações dele era o mais próximo do que Deus pretendia dizer nas escrituras. Quando se seguia um rabino, aceitava-se o seu jugo.
            A maioria dos rabinos ensinava o jugo de um rabi muito respeitado que os havia antecedido. Por isso, quando se visitava uma sinagoga e o rabino local (mestre da Torá) começava a ensinar, ele dizia que ensinava em nome do rabino Fulano ou Sicrano. Se o ouvinte conhecesse o jugo do rabino Fulano ou Sicrano, saberia, então, o que esperar daquele que estava ensinando. Às vezes, surgia um rabino que ensinava um novo jugo, uma nova maneira de interpretar a Torá. Isso era raro e extraordinário.
            Imagine. Um rabino afirmando que tinha um novo jeito de interpretar as Escrituras, uma forma mais próxima do que Deus pretendia que a forma dos rabinos que vieram antes desse. Uma nova leitura das escrituras.

            Imediatamente surgiam perguntas: “Como podemos saber se isso verdade? Como saber se esse rabino não está louco?”. Uma proteção para rabino nesse caso era que dois outros rabinos com autoridade impusessem as mãos sobre ele confirmando-lhe e convalidando seu ensino. Eles diziam: “Cremos que esse rabino tem autoridade para fazer novas interpretações”. É por isso que o batismo de Jesus foi tão importante. João Batista era um influente mestre e profeta que andava dizendo publicamente que não era digno nem de desamarrar as correias das sandálias de Jesus. “Então uma voz dos céus disse: Este é meu Filho amado, em quem me agrado”. Uma segunda voz confirmou o chamado singular de Jesus: a voz de Deus.
            Agora imagine se um rabino que tivesse um novo ponto de vista sobre a Torá chegasse á cidade. Alguns diriam que esse rabino com novas interpretações da Torá tinha autoridade. A palavra hebraica para “autoridade” é shmikah.
            Um rabino que ensinasse com shmikah diria coisas do tipo: “Vocês ouviram o que foi dito [...], mas eu lhes digo... (Mt-5:21-22; 27-28; 31-34-39; 43-44; 11:24; 19:8-9). O que ele queria dizer com isso é: “Vocês ouviram as pessoas interpretarem “Esse versículo assim, mas eu lhes digo que é isto que Deus de fato queria dizer neste versículo”.

Pedagogia dos rabinos
            As crianças judias iam à escola quando tinham por volta de seis anos de idade pela primeira vez. O primeiro estágio de educação se chamava Bet Sefer (que significa “Casa do Livro”) e durava até a criança completar dez anos.

            Às vezes o rabino colocava um pouco de mel, lembrando-os de que as palavras de Deus são doces como o mel ao paladar. O rabino queria que seus alunos associassem as palavras de Deus com o que de mais delicioso e fino pudessem imaginar. (Ez-3:3; Sl-119:103; Ap-10:10)

            Os alunos deviam começar a memorizar a Torá e com dez anos, em geral, já sabiam tudo de cor. Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Tudo de cor. Os rabinos que ensinavam a Torá eram os membros mais respeitados da comunidade.

            Com a idade de dez anos, os alunos começavam a se destacar. Alguns demonstravam habilidades naturais com as Escrituras e se distanciavam dos outros. Esses alunos passavam para o estágio seguinte de ensino, que se chamava Bet Talmud (Casa de Aprender), e durava até por volta dos quatorze anos.

            Os alunos que não prosseguiriam o estudo deviam continuar aprendendo a profissão da família. Se ela fabricasse vinho, ou fosse uma família de lavradores, a criança trabalharia como aprendiz com os pais e os parentes enquanto aprendia o ofício antes de um dia ficar responsável por ele e transmiti-lo para a geração seguinte.

            Enquanto isso, os melhores dos melhores, que continuavam a formação na Bet Talmud, deviam memorizar o resto das Escrituras hebraicas. Com treze ou quatorze anos, os melhores alunos já haviam decorado toda a bíblia. De Gênesis a Malaquias, (Tanakh ou Tanach em hebraico תנ״ך) é um acrônimo utilizado dentro do judaísmo para denominar seu conjunto principal de livros sagrados, sendo o mais próximo do que se pode chamar de uma Bíblia judaica.
            O conteúdo do TaNaKh é equivalente ao Antigo Testamento cristão, porém com outra divisão. A palavra é formada pelas sílabas iniciais das três porções que a constituem, a saber:
A Torá (תורה), também chamado חומש (Chumash, isto é "Os cinco") refere-se aos cinco livros conhecidos como Pentateuco, o mais importante dos livros do judaísmo.
Neviim (נביאים) "Profetas"
Kethuvim (כתובים) "os Escritos"
O Tanakh é às vezes chamado de Mikrá (מקרא).


Discípulos
            Por volta do quatorze ou quinze anos de idade, no final da Bet Talmud, somente os melhores dos melhores dos melhores alunos ainda permaneciam estudando. A maioria dos alunos a essa altura estava aprendendo a profissão de família ou começando a própria família.
            Os alunos remanescentes solicitavam a um rabino bem conhecido para ser um de seus talmidim (discípulos). Sempre temos idéia de discípulo como um aluno, mas ser discípulo era muito mais que apenas ser aluno. O alvo do discípulo não era somente saber o que o rabino sabia, mas ser exatamente como o rabino.
            Esse nível de educação chamava-se Bet Midrash (Casa de Estudo). Um aluno se apresentava a um rabino famoso e dizia: “Rabino, eu quero ser um discípulo seu”.
            Quando um aluno pedia a um rabino para ser um de seus talmidim, ele desejava tomar sobre si o jugo desse rabino. Ele queria aprender a fazer o que o rabino fazia.
            Provavelmente o aluno deixaria o pai e a mãe, deixaria a sinagoga, sua cidade e os amigos, e dedicaria a vida a aprender a fazer o que seu rabino fazia.
            Aonde quer que o rabino fosse o discípulo iria. Ele aprenderia a aplicar a lei oral e escrita a situações concretas. Ele abandonaria toda a sua vida para ser como seu rabino.
            Rob Bell[3] conta que um amigo seu esteve em Israel e viu um rabino ir ao banheiro acompanhado de seus talmidim. Eles não queriam deixar passar nada que seu rabino pudesse dizer ou fazer. Ser discípulo significa ter essa dedicação.
            Desse modo, aos trinta anos de idade, quando um rabino em geral começava o ensino e a formação pública de discípulos, encontramos Jesus andando pelas margens do mar da Galiléia.(Mt-4:18-22) ...”viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André. Eles estavam lançando redes ao mar, pois eram pescadores.” Por que eram pescadores? Porque não eram discípulos. Eles não eram suficientemente bons; não tinham os requisitos. Jesus chama os que não são suficientemente bons.
            A história continua: ”No mesmo instante, eles deixaram as suas redes e o seguiram”. Estranho, não? Por que eles simplesmente deixaram as redes? Por que deixariam seu trabalho por um rabino que jamais tinham visto? É um rabino dizendo: “Você pode ser como eu”!
            É claro que a pessoa deixaria as redes, não foram eles que procuraram o rabino, mas o rabino que os escolheu, (Jo-15:16). O rabino acredita que eles podem fazer o que ele faz. Ele acha que eles podem ser como ele.
            Em seguida, Jesus, encontra Tiago e João, que pescavam com o pai deles, Zebedeu. Eles eram aprendizes, estavam aprendendo a profissão da família, que, nesse caso, era a pesca.
            Ser discípulo era algo tremendo, empolgante, mas que também exigia muito – eles jamais sabiam o que o rabino faria em seguida. Um relato do livro de Mateus diz que Jesus estava falando a seus discípulos em Cesaréia de Filipe. Eis um detalhe fácil de passar despercebido, mas importante. Cesaréia de Filipe era o centro mundial da adoração de Pã, o deus-bode. Pessoas de todas as partes do mundo vinham a Cesaréia adorar esse deus. Havia um penhasco com uma fenda gigante que os adoradores de Pã acreditavam ser o local para onde os espíritos do inferno iam ao sair da terra. A fenda se chamava “Portões de Hades” (palavra grega = inferno). Nesse local foi construído um templo para Pã e num pátio das proximidades as pessoas praticavam atos sexuais com bodes durante os festejos de adoração ao deus. E Jesus estava ali com seus discípulos.
           
Seguir a Jesus, Não aos Homens: Lealdade
            A relação de discípulo e mestre tem sido explorada por homens em muitos movimentos religiosos. O raciocínio é relativamente simples. Tirando alguns versículos do contexto e torcendo um pouquinho o sentido de outros, é fácil ensinar aos adeptos a necessidade de submissão quase absoluta aos homens. Considere esta abordagem: "O discípulo não está acima do seu mestre.... Basta ao discípulo ser como o seu mestre...." (Mt-10:24-25). Alguns homens na igreja são chamados "mestres" (At-13:1; Ef-4:11; Hb-5:12; Tg-3:1). João teve discípulos (Jo-1:35). Devemos obedecer aos nossos guias (ou líderes, NVI) e ser submissos a eles (Hb-13:17). Utilizando tais versículos, torna-se fácil obrigar os mais novos na fé a seguir quase que cegamente a liderança de homens supostamente espirituais. Vários movimentos religiosos se baseiam em sistemas de discipulado nos quais cada "discípulo" é guiado por um "mestre" ou "discipulador", numa pirâmide ou hierarquia de autoridade humana.
            Há vários problemas com este tipo de discipulado: Investe autoridade excessiva em homens. A palavra traduzida "mestre" quer dizer, na maioria das vezes, "professor". A ênfase está no ensinamento da palavra, não na autoridade de uma pessoa sobre outras. Quando se trata de uma relação que envolve autoridade, as palavras de Jesus são claras e estabelecem a regra que precisamos aplicar hoje: "Vós, porém, não serão chamados mestres [rabis, NVI], porque um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos” (Mt-23:8). Esquece as qualificações dadas por Deus para os líderes. Num sentido limitado, Deus deu responsabilidade de liderança a alguns homens na igreja. No primeiro século, os apóstolos guiavam as igrejas por instrução inspirada e pelo exemplo de imitação de Jesus (1Co-11:1). Eles iniciaram a prática de escolher presbíteros (também chamados "bispos" e "pastores"-veja At-20:17,28; 1Pe5:1-3; Ef-4:11) em cada igreja (At-14:23; Tt-1:5). Poucos homens demonstram as qualificações exigidas por Deus para exercer a função de presbítero ou pastor (veja 1Tm-3:1-7; Tito 1:5-9). Estes homens têm a responsabilidade de cuidar e presidir ou liderar a igreja (1Tm-3:5; 5:17). São os guias que velam pelas almas das ovelhas (Hb-13:17). Ignora as limitações na liderança dos pastores. Mesmo nas igrejas que têm bispos qualificados, estes são limitados na maneira de guiar ou liderar a igreja. Não têm autoridade absoluta, arbitrária ou despótica. Eles não ditam regras; pelo contrário, mostram um exemplo de como seguir as regras do Supremo Pastor (1Pe-5:1-4).  Confunde o papel de evangelistas. Evangelistas são homens que pregam a boa nova (o evangelho). A autoridade deles é limitada ao trabalho de ensinar, corrigir e exortar pela palavra. As cartas de Paulo aos evangelistas Timóteo e Tito apresentam um modelo de homens que vivem vidas exemplares e pregam fielmente a palavra pura de Jesus (1Tm-4:12-16; 2 Tm-4:1-5). Nada sugere uma posição de superioridade sobre os irmãos.
            Homens que querem "melhorar" o plano de Deus e dominar sobre outros procurarão apoio nas Escrituras, pervertendo o sentido da palavra do Senhor. Todos os cristãos devem lembrar que temos um só Mestre, e que todos nós somos irmãos (Mt-23:8).

Assumir Compromisso com Jesus: Conversão
            Ser discípulo de Jesus exige um compromisso sério com ele. Em Mt-28:18-20, Jesus destaca dois aspectos deste compromisso: Batismo para entrar em comunhão com Deus (veja também At-22:16; Gl-3:27; Rm-6:3-7).  Obediência absoluta aos ensinamentos de Jesus. Muitas pessoas se dizem seguidores de Jesus sem dar os primeiros passos de obediência à palavra dele. Para sermos discípulos verdadeiros, temos de apresentar os nossos corpos como sacrifícios a ele, sendo transformados e renovados pela palavra do Senhor (Rm-12:1-2).

Imitar o Caráter de Cristo: Proceder
            Uma vez que reconhecemos Jesus como o nosso Mestre, devemos aprender das palavras e do exemplo dele. Um dos propósitos da vinda dele a terra é apresentado em 1Pe-2:21-22- "...Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos, o qual não cometeu pecado...."
            Como discípulos do perfeito Mestre, devemos nos esforçar para desenvolver o caráter dele, tornando-nos "co-participantes da natureza divina" (2Pe-1:4). Assim procuraremos pensar como Jesus pensa, e agir como ele agiria. Que desafio!

Respeitar a Autoridade do Mestre: Obediência
            O entendimento da relação do discípulo com o Mestre naturalmente criará em nós um respeito profundo pela vontade do Senhor. Enquanto outros defendem muitas práticas erradas, dizendo que Deus não as proibiu, o discípulo fiel examina com mais cuidado e percebe que a Bíblia não é um livro de proibição e, sim, de permissão. Ao invés de tentar justificar a sua própria vontade, o seguidor de Jesus se limita às coisas que Deus permite e as coisas autorizadas nas Escrituras. Ele percebe, pelo estudo da palavra, que não devemos ultrapassar o que Deus revelou, pois tal abordagem aumenta a arrogância ao invés de demonstrar a humildade de servos do Senhor (1Co-4:6). Pessoas egoístas seguirão a sua própria sabedoria e dirão que têm liberdade para tratar a Bíblia como uma mensagem "dinâmica" que se adapta à circunstância atual (Pv-14:12; Jr-10:23; 1 Samuel 13:12). Mas as pessoas espirituais mostrarão respeito maior para com Deus, sabendo que ele é perfeito e perfeitamente capaz de revelar sua vontade aos homens "uma vez para sempre" (Jd-3) para os habilitar "para toda boa obra" (2 Tm-3:16-17). O servo fiel entende que o Mestre Jesus recebeu autoridade para mudar a lei, fazendo o que não fora autorizado anteriormente (Hb-7:11-14). Mas o discípulo humilde jamais ousaria mudar a lei ou ultrapassar o ensinamento de Jesus (2Jo-9).

Buscar a Unidade que Jesus Pede: Cooperação
            Jesus quer a unidade dos seus discípulos (Jo-17:20-23). Esta cooperação não vem por estruturas e regras humanas, e sim por amor a Deus. Homens podem forçar uma conformidade superficial por regras e sistemas de organização e controle. Deus trabalha de outra forma. Ele confia na sua própria palavra para criar a unidade que ele quer (1Co-1:10). Se cada discípulo continua se aproximando do Senhor, naturalmente estará se unindo cada vez mais aos outros discípulos verdadeiros. Cristãos se reunindo em congregações locais edificam e encorajam um ao outro (Ef-4:16; Hb-10:23-25). Divisão vem quando pessoas seguem diversas revelações (Is-19:2-3), ou seguem líderes humanos e não o próprio Senhor (1Co-1:11-13). Cristo morreu por nós. Somos batizados em Cristo. Ele é o nosso Mestre e o foco das nossas vidas!

Produzir Fruto: Perseverança e Crescimento
            O discípulo de Jesus produz fruto (Jo-15:8). Pelo fato que aceita a palavra de bom e reto coração, e desenvolve a sua fé com perseverança, ele se torna frutífero (Lc-8:15). O discípulo produz fruto pelas boas obras que faz (Tito 3:14; Efésios 2:10). Produzimos fruto quando obedecemos ao nosso Senhor (Lucas 6:46), progredindo com perseverança (Hebreus 12:1).

Sejamos Discípulos de Jesus!
            Reconhecendo o amor de Jesus para conosco, livremo-nos dos sistemas de domínio inventados por homens que querem liderar seus próprios discípulos. Porém, esta liberdade não nos deixa sem responsabilidade de servir. O verdadeiro discípulo de Jesus fará sempre a vontade do Bom Mestre!


[1] Mario Marcos Andrade da Silva, Bacharel em Teologia pelo (ICEC), Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. M. 10.1.509. Além de especialista em escatologia, angelologia e aconselhamento pastoral pelo IDE Missões.
[2] Dicionário da Bíblia Almeida.
[3] Robert "Rob" Bell (n. 23 de Agosto de 1970), é um escritor e o Pastor fundador da Mars Hill Bible Church localizada em Grandville, Michigan, nos Estados Unidos da América. Ele também é o apresentardor da primeira série de pequenos filmes com perspectiva espiritual conhecido como NOOMA. Bell é casado com Kristen e tem dois filhos, hoje eles moram em Grand Rapids, Michigan.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Princípios gerais da exegese


PRINCÍPIOS GERAIS DA EXEGESE
Por
Mário Marcos[1]

            O esboço abaixo é complementado por um grande número de comentários e questões, cujo propósito é ajudá-lo a explorar todas as possibilidades ao fazer uma exegese completa. Esses comentários e questões são apenas sugestões e não devem ser sugeridos irrefletidamente. Na verdade, algumas questões se sobrepõem; já outras podem parecer-lhe redundantes. Algumas podem não ser relevantes para seus propósitos ou para o escopo das necessidades de sua exegese particular de certa passagem. Portanto, seja seletivo. Deixe de lado o que não se aplica à sua passagem; destaque o que se aplica.

1. Texto
1.1 Confirme os limites da passagem (perícope)
1.2 Compare as versões
1.3 Reconstrua o texto, fazendo observações
1.4 Coloque a poesia em forma versificada

2. Tradução
2.1 Prepare uma tradução provisória do texto reconstruído
2.2 Verifique a correspondência entre o texto e a tradução
2.3 Revise a tradução à medida que continuar o trabalho
2.4 Faça uma tradução final

3. Contexto histórico
3.1 Pesquise o pano de fundo histórico
3.2 Pesquise o ambiente social
3.3 Pesquise o cenário histórico
3.4 Pesquise os aspectos geográficos
3.5 Determine a época da passagem

4. Contexto literário
4.1 Examine a função literária
4.2 Examine a localização
4.3 Analise os detalhes
4.4 Analise a autoria

5. Forma
5.1 Identifique o tipo literário geral (gênero)
5.2 Identifique o tipo literário específico (forma)
5.3 Procure as subcategorias
5.4 Sugira um contexto vivencial
5.5 Analise a integridade da forma
5.6 Esteja atento a formas parciais e fragmentadas

6. Estrutura
6.1 Faça um esboço da passagem
6.2 Procure padrões de pensamento
6.3 Organize sua discussão da estrutura considerando as unidades decrescente de tamanho
6.4 Avalie a intencionalidade dos padrões menores
6.5 Se a passagem for poética, analise-a como tal


7. Dados gramaticais
7.1 Analise os dados gramaticais relevantes
7.2 Analise a ortografia e a morfologia no que se refere à data e outras afinidades

8. Dados lexicais
8.1 explique todas as palavras e conceitos que não forem óbvios
8.2 concentre a atenção em conceitos, palavras e expressões-chave
8.3 faça “estudos de vocábulos” (na verdade estudo de conceitos) das palavras e fraseados mais importantes
8.4 Identifique características semânticas especiais

9. Contexto bíblico
9.1 Analise o uso da passagem em outras partes da Bíblia
9.2 Analise a relação entre esta passagem e o restante da Bíblia
9.3 Analise a relevância da passagem para a compreensão da bíblia

10. Teologia
10.1 Localize a passagem teologicamente
10.2 Identifique os tópicos específicos levantados e resolvidos pela pasagem
10.3 Analise a contribuição teológica da passagem

11. A literatura secundária
11.1 Investigue o que outras pessoas dizem sobre a passagem
11.2 Compare e faça ajustes
11.3 Aplique as descobertas ao seu trabalho

12. Aplicação
12.1 Aliste os assuntos que dizem respeito à vida
12.2 Esclareça a natureza da aplicação (ela informa ou orienta?)
12.3 Esclareça as possíveis áreas de aplicação (fé ou ação?)
12.4 Identifique os ouvintes da aplicação
12.5 Determine as categorias da aplicação
12.6 determine a época a ser focalizada na aplicação
12.7 Estabeleça os limites da aplicação


[1] Mario Marcos Andrade da Silva, Bacharel em Teologia pelo (ICEC), Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. M. 10.1.509. Além de especialista em escatologia, angelologia e aconselhamento pastoral pelo IDE Missões.


quinta-feira, 21 de julho de 2011

Alegria de servir



A ALEGRIA DE SERVIR

Tende em vós os mesmos sentimentos de Cristo (Fl 2,5)

1) Paulo em Filipos: O anúncio do Evangelho numa grande cidade.
             Paulo levou o Evangelho aos filipenses, possivelmente, durante a segunda viagem missionária (cf. At-15,36–18,17), por volta do ano 48 d.C. A cidade, fundada em 360 aC. pelo general ateniense Calístrato de Afidna, no vale sul do monte Órbelos (atualmonte Lekani) na Macedônia oriental, recebeu o nome de Krénides (em grego, “fontes”), por causa das muitas fontes do rio Angites. Posteriormente, ameaçada por tribos vizinhas, em 356 a.C pediu auxílio a Filipe II, rei de Macedônia, pai de Alexandre Magno. Felipe II apoderou-se das minas de ouro ali existentes e refundou a cidade dando-lhe seu próprio nome. Filipos era uma porta de entrada para Europa, pois a cidade estava situada numa posição estratégica atravessada pela Via Egnatia [1], rota principal para o porto de Neápoles. Em 42 AEC, a cidade foi convertida em importante “colônia romana” (cf. At 16,12), uma espécie de Roma em miniatura, cujos cidadãos gozavam de privilégios (ius italicum) semelhantes aos da capital, como por exemplo, estar livres de impostos e com direito de governar-se por magistrados próprios, chamados de pretores. O orgulho de possuir esses privilégios era uma forte característica dos filipenses.
            Paulo chegou a Filipos, em companhia de Silas, sem conhecer ninguém na região. Os judeus ali residentes deviam ser poucos, pois não havia edifício para assembléia litúrgica (sinagoga), mas reuniam-se à margem de um rio (cf. At-16:12-13), possivelmente tratava-se do Angites ou de uma de suas fontes. Ali Paulo encontrou Lídia (cf. At-16:14), uma comerciante de púrpura, que era “temente a Deus”. Depois de aceitar o evangelho e fazer-se batizar, Lídia ofereceu sua casa para que servisse de alojamento aos missionários, providenciando dessa forma uma base para a missão (At-16:15,40). A “casa” de Lídia parece ter sido mais que uma residência; certamente era também seu local de trabalho. O termo “casa” incluía a família, parentes próximos e se estendia aos escravos e a todos que ali trabalhavam.

a) Os desafios de uma grande cidade:
            - Pluralismo religioso Segundo o relato de At-16:16, em Filipos, Paulo curou uma escrava que estava sob o domínio de um “espírito pitônico” (de Píton, divindade grega muito cultuada na época). Na mitologia grega, Píton era uma serpente ou dragão que vivia na região de mesmo nome, ao pé do Monte Parnaso, e da qual se afirmava que guardava o oráculo de Delfos. Narra o mito que Apolo matou essa grande serpente para adquirir seu espírito de adivinhação. Assim, era denominada pitonisa toda mulher que tivesse o dom de prever o futuro ou fosse sacerdotisa de Apolo. A expressão “temente a Deus” para designar Lídia em At-16:14 revela uma categoria religiosa bem específica. Temente a Deus era uma pessoa gentia (não judia) que simpatizava com o judaísmo e participava do culto na sinagoga. Os “tementes a Deus” estavam familiarizados com o Antigo Testamento (na versão grega – LXX) e com as práticas judaicas do amor ao próximo, da observância do Decálogo (dez mandamentos), da doação de esmolas, da santificação do tempo (orações em horários definidos) e praticavam o monoteísmo ao Deus de Israel.
            Ao afirmar que não havia edifício para sinagoga, mas que os judeus residentes em Filipos se reuniam aos sábados à margem de um rio (cf. At 16,12-13), o texto bíblico refere-se possivelmente à existência de judeus helenistas. Estes eram diferentes dos judeus de Jerusalém e arredores. Os judeus helenistas tinham por idioma o grego e viviam espalhados nas regiões ao longo do império romano, na Diáspora [2]. Eles tinham uma mentalidade mais aberta porque estavam constantemente em contato com outras culturas. Mesmo fora da Terra Prometida, eles cumpriam as normas fundamentais da fé judaica, apesar de não serem tão estritos nos detalhes. Após a passagem de Paulo por Filipos, surgiu também nessa cidade o grupo dos seguidores de Jesus. O novo grupo, provavelmente era formado por judeus helenistas, por “tementes a Deus” e por ex-adoradores de divindades do império romano.

- Exploração
            Da mesma forma que acontecia com Jesus nos evangelhos, com a proclamação de Paulo e Silas sobre a chegada do Reino de Deus, as trevas cederam lugar à luz (cf. Mc-1:25; 3:12; Lc-4:35; At-16:16-18). A jovem foi libertada do espírito de adivinhação. Antes ela era totalmente alienada, ou seja, não era dona de si, mas possuída pelo espírito pitônico e pelos donos que a exploravam obtendo muitos lucros à custa dos oráculos que ela proferia (At-16:16). Não se menciona o nome dela, mas apenas sua condição de escrava.

- Violência
            Indignados por perderem seus lucros, os donos da escrava desencadearam forte perseguição contra Paulo e Silas. Agarraram os dois, os arrastaram e os levaram à praça da cidade (At-16:19). Usaram o preconceito contra os judeus (anti-semitismo) para acusar os missionários de não respeitarem os costumes romanos (At-16:20-21) o que provocou o ódio da multidão. Paulo e Silas foram açoitados e levados à prisão. Também tiveram seus pés presos no tronco que ficava no fundo da prisão (At-16:22-24). E tudo que eles tinham feito era devolver a dignidade de uma pessoa. Mas a sede de lucro não podia suportar isso sem uma reação acompanhada de diversos tipos de violência.
 b) Características da Igreja de Filipos:
      É provável que entre o episódio da conversão de Lídia (At-16:13-15) e os acontecimentos que motivaram a violência contra os missionários (At 16,16-24), tenha se passado algum tempo. A carta aos Filipenses menciona vários colaboradores que ajudaram Paulo na evangelização (cf. Fl-2:25; 4:3). Isto pressupõe uma comunidade florescente que não teria sido possível sem uma estadia prolongada dos apóstolos na cidade. A narrativa de Lucas teria saltado do episódio inicial, conversão de Lídia, ao episódio final, a violência contra Paulo e Silas e o “convite” para que ambos se retirassem da cidade. Portanto, ao saírem da cidade, Paulo e Silas deixaram uma igreja formada. Entre as pessoas que colaboraram com os missionários estão algumas mulheres. Em Fl-4:2-3, Paulo roga a Evódia e a Síntique que se ponham em harmonia no Senhor (a expressão grega pode ser traduzida por “sentir” ou “pensar” (cf. Fl-2:2). São mulheres evidentemente de destaque na comunidade. Paulo se dirige a ambas recordando o fato de que haviam colaborado com ele tanto quanto Clemente. O verbo que descreve a ação dessas mulheres é synathléo (que significa “esforçar-se ao mesmo tempo junto com alguém”) usado por Paulo apenas em Filipenses, nessa passagem 4:3 e em 1:27 quando se esforçam juntos para manter a fé.
            O verbo synathléo era usado na linguagem cotidiana para exprimir a luta penosa e até mesmo a morte com que os gladiadores estavam submetidos no circo romano. Isso mostra o valor dessas mulheres e dos filipenses em geral. Talvez, por causa de tanto empenho, não despercebido por Paulo, o apóstolo manifeste a ternura que não foi tão enfatizada nas outras cartas. Pois logo no início, na ação de graças pela comunidade, afirma: “Deus é testemunha das saudades que tenho de todos vós, com a ternura de Cristo Jesus” (Fl-1:8). Inclusive, Timóteo, o co-autor da epístola, é a pessoa mais indicada para levar a carta, por causa da sinceridade com que ama tanto a Paulo quanto aos filipenses (Fl-2:19-23). Destinatários da carta também demonstraram muita ternura para com o apóstolo ao enviarem Epafrodito com um donativo para o sustento de Paulo enquanto estivesse preso (Fl-4:18).

2) A Carta aos Filipenses [3]
            A epístola foi escrita para que os filipenses se mantivessem na fé genuína e no seguimento de Jesus, ou seja, que os destinatários produzissem o fruto da justiça para a glória de Deus (Fl-1:9-11). A expressão “frutos da justiça” significa ajustar-se ao que Deus Pai espera do seguidor de Jesus.

a) A situação de Paulo ao escrever a carta:
            Paulo afirma que escreve da prisão (1:7.13.17), na qual se encontra por causa do evangelho. Algumas passagens da carta levam a pensar que ele estava em perigo de morte iminente (1:21–24). Em Atos dos Apóstolos temos o relato de três lugares onde Paulo esteve preso: em Filipos (At-16:23–40), em Cesaréia (At-21:32–26,32) e em Roma (At-28:16–31). Mas Paulo afirma que foi preso muitas vezes (2Cor-11:23). A maioria dos estudiosos é de opinião que Paulo estava preso em Éfeso quando escreveu aos filipenses. Essa hipótese baseia-se em inferências de 1Cor-15:32 e na proximidade geográfica entre Éfeso e Filipos. Mas, que tipo de detenção poderia estar sofrendo Paulo enquanto escrevia aos filipenses? Em Filipos foi levado para o fundo da prisão e atado a um tronco. Mas isso só aconteceu porque não tinham conhecimento de que ele era cidadão romano. De fato, os cidadãos romanos tinham direito a um tipo de prisão, chamada custodia libera, ou liberdade vigiada. A custódia publica detenção penal, era para aqueles que não possuíam cidadania. O cidadão romano podia escolher a residência na qual ficaria em prisão domiciliar. E o soldado que o vigiava tinha que acompanhá-lo em todas as horas e se saíssem à rua deveria mantê-lo preso com uma corrente. As notícias sobre a prisão de Paulo chegaram aos filipenses que lhe enviaram uma doação através de Epafrodito (Fl-2:25; 4:18). Depois que se encontrou com Paulo, Epafrodito ficou doente e demonstrou muita preocupação (Fl-2:26) por não poder retornar logo a Filipos com notícias. Paulo pretendia enviá-lo junto com Timóteo para esclarecer toda a situação aos filipenses (Fl-2:23).
b) O motivo da carta
            Quando Paulo recebeu a doação vinda dos filipenses, trazida por Epafrodito (Fl- 2:24–4:18) resolveu escrever, possivelmente durante o ano 54, para agradecê-los e também para orientar seus destinatários sobre que atitudes tomarem com relação aos judaizantes. Paulo temia que os novos convertidos fossem afastados da fé cristã, seja pelos judaizantes, seja pelos pagãos.

3) A teologia da kénosis:
            O Hino Cristológico de Fl-2:6-11 é chamado de Hino da Kénosis, de kenós, termo grego que significa “vazio”. Esse título, com o qual o poema ficou conhecido na história da teologia, foi derivado do verbo kenóo encontrado em Fl-2:7 e que significa “privar-se de poder” ou “abdicar do que possui”. Esse termo caracteriza toda a vida de Jesus, o Filho de Deus como alguém que não se apegou à sua condição divina e ao entrar nas esferas da história e da criação, assumiu as limitações desses âmbitos, até as últimas conseqüências, inclusive ficando à mercê do egoísmo e violência humana, que o levaram à morte terrível na cruz. A maioria dos estudiosos está de acordo que o Hino da Kénosis não é de autoria paulina, mas fazia partia da Liturgia Eucarística. Isso significa que uma das teologias mais profundas do Novo Testamento teve sua fonte num hino litúrgico para celebrar o mistério pascal. E, como o mesmo hino foi usado por Paulo como expressão de uma reta compreensão de Deus em seu mistério, isso manifesta que o mesmo poema retrata uma profunda experiência mística do Apóstolo. Finalmente, ao usar o hino como exortação aos filipenses significa que Paulo faz da teologia da kénosis o fundamento da práxiscristã configurada à práxis de Cristo.


a) A kénosis como modo de ser de Jesus de Nazaré que revela o modo de ser de Deus.
            Paulo se utiliza do hino para falar da vida de Jesus, para mostrar a maneira como Jesus viveu a sua humanidade. E o modo concreto como Jesus viveu é a fonte e o critério para toda teologia que tenha a pretensão de ser realmente cristã. A vida terrestre de Jesus, o Filho de Deus, se manifestou a nós como kenótica, foi isso que as primeiras testemunhas cristãs transmitiram a Paulo e que ele nos mostra no hino. Porque a kénosis não é apenas um aspecto, mas a totalidade da vida de Jesus; Paulo nos apresenta esse modo de viver como o paradigma de vida para o cristão. De fato, a vida terrestre de Jesus se identifica como um modo de ser referido ao outro, uma vida descentrada de si, a serviço. Jesus viveu a vida humana perdendo-a, esvaziando-se, renunciando totalmente a si mesmo. Foi uma vida desfigurada, humilhada. Pode-se pensar que a kénosis é um aspecto pontual, uma etapa passageira na vida de Jesus, que se identifica apenas com sua paixão e morte. Mas, a kénosis é um modo de ser, é algo que afeta a totalidade de sua existência. Uma vida que foi reconhecida, após a ressurreição, como kenótica e exaltada. Pois não podemos separar o kenótico do Ressuscitado. Com a ressurreição se revela uma condição divina, que a condição humana de servo não deixava transparecer.
            O Ressuscitado é o Senhor, mas é a vida humilhada que reinterpreta esse título e dá-lhe um sentido totalmente diferente do que se pensa, nos padrões terrenos, sobre o significado de alguém ser chamado de Senhor. Com a ressurreição transparece naquela vida totalmente descentrada de si no outro e em Deus, uma relação única com Deus a ponto de Jesus Cristo ser reconhecido como seu Filho unigênito. E por causa da unidade indissolúvel que vem dessa relação entre Jesus e o Pai, entre o humano e o divino é que a kénosis diz algo a respeito de Deus em si mesmo. Ela nos revela a verdadeira intimidade do ser de Deus. A kénosis manifestada em Jesus torna acessível a nós o mistério antes escondido em Deus. Assim, por meio da vida kenótica de Jesus se revela que o esvaziamento tem suas raízes na Trindade. A kénosis não é apenas uma maneira de ser humano, mas a maneira de ser de Deus. Dessa forma, o conceito de Deus se torna inseparável da realidade kenótica, o que significa um duro golpe na maioria de nossas concepções de Deus.
b) A kénosis de Paulo à luz da kénosis de Cristo.
            O hino da Kénosis, unido à experiência pessoal de Paulo com o Ressuscitado, deu ao apóstolo um entendimento mais profundo sobre a pessoa e a obra de Cristo. Esse entendimento ajudou Paulo a manter-se fiel e lúcido nas circunstâncias difíceis pelas quais estava passando. Ele estava em prisão domiciliar e enfrentava a possibilidade de uma morte iminente (Fl-1:7.12-16; 3:8-14). E o evangelho, anunciado por ele, estava sendo ameaçado por pregadores ambiciosos (Fl-1:15-17; 2:20-21; 3:18-19). Contudo, não há nenhuma tristeza ou melancolia nessa Epístola. Pelo contrário, alegria e regozijo são proeminentes (Fl-1:4.8.25; 2:2.17-18.29; 3,1; 4,1.4.10). Paulo enfrenta as circunstâncias adversas com uma fé nascida não somente do sustento e provisão que recebeu de Deus, no passado, mas também de uma esperança viva no futuro. Sua fé está baseada no próprio Senhor Ressuscitado que a ele se manifestou, com todo conhecimento decorrente desse encontro que transformou sua vida, de modo que ele pode se referir a coisas altamente estimadas, nos padrões terrenos, como sendo lixo (Fl-1,19-26; 3,4-11.20-21). Paulo estava, de fato, preso a valores que o faziam regozijar-se por viver nessas circunstâncias terríveis porque elas lhe deram a oportunidade para a proclamação de Cristo (Fl 1,12-14). Essa atitude foi expressa no versículo de abertura da Epístola por uma autodesignação de Paulo: “servo” (grego: doûlos). Enquanto Paulo costumeiramente estabelece a sua autoridade como apóstolo em outras cartas (Rm 1,1;1Cor 1,1; Gl 1,1; Ef 1,1; Cl 1,1), nessa epístola ele se denomina simplesmente servo (junto como seu colaborador Timóteo). Longe de impedi-lo de evangelizar, a prisão de Paulo proporcionou a divulgação de sua fidelidade a Cristo e ao evangelho porque todos ficaram sabendo de suas “algemas”. Esse episódio serviu de encorajamento a muitos irmãos que pregavam o evangelho com ousadia. Por isso Paulo tem certeza de que qualquer decisão do tribunal a seu respeito será motivo para glorificar aquele a quem serve. Cristo será engrandecido seja pela vida de Paulo (libertação da prisão), seja por sua morte (condenação). Em vista do engrandecimento de Cristo, Paulo considerou como lixo tudo o que apreciava como valioso. Por causa de Cristo, Paulo perdeu tudo, todas as coisas importantes de sua vida anterior, para ganhar a todos para Cristo. Isso só foi possível porque Paulo aprendeu a viver a fidelidade em qualquer situação, fosse de tristeza ou de alegria. Mas Paulo ainda não era perfeito, ele corria para alcançar a Cristo, já que fora alcançado por ele. Paulo necessitava evoluir e avançar em direção à perfeição de Cristo.
            O Apóstolo se vê seguindo o caminho do serviço, que foi estabelecido pela vida de Cristo, especialmente nas circunstâncias perigosas em que estava vivendo. É a vida concreta de Jesus que dá sentido à vida de Paulo, por isso o Apóstolo se refere à sua comunhão com o sofrimento do Senhor e com a morte dele (Fl 3,10). É nesse espírito que Paulo pode apontar a si mesmo e dizer, sem traço de arrogância ou orgulho: “Sejam meus imitadores” (Fl 3,17). A vontade de Paulo é colocar de lado todos os direitos e privilégios pessoais, para se submeter, no espírito de serviço, às necessidades e interesses dos outros, isso é o coração dessa carta. De um lado, vemos como Paulo é um servo fiel de Cristo, de outro, os filipenses são, como ele, convocados a mostrar essa atitude de serviço como seguidores de Cristo
c) A Kénosis de Cristo: o paradigma para a vida cristã.
            Cristo esvaziou-se, sendo de condição divina, renunciou aos privilégios dessa condição e assumiu uma existência humana como servo, morrendo na cruz. Por isso Deus o exaltou acima de tudo e todos para que ele reine sobre todas as realidades. A glorificação de Cristo será vista totalmente no Dia de Cristo, quando a obra de Deus será plena. Até lá, todos estão num processo rumo à plenitude (para alcançar o Cristo). A vida de Paulo segue o exemplo de Cristo. Os filipenses devem fazer o mesmo que Paulo, ou seja, ter os mesmos sentimentos de Cristo (Fl 2,5), pois a eles foi dada a graça de sofrer com Cristo. Paulo costuma fazer apelos às comunidades para que se comportem verdadeiramente como cristãs (Ef 4,1; Cl 1,10; 1Tss 2,12), mas no imperativo endereçado aos filipenses sai de seu vocabulário habitual e usa um termo técnico (1,27) que significa “desempenhem sua obrigação como cidadãos” ou “cumpram sua obrigação para com a sociedade”.
            Os filipenses eram orgulhosos de seu status de cidadãos romanos e poderiam entender a expressão de Paulo como se referindo às suas obrigações para com a cidade. Mas Paulo não os convocou a ser simplesmente bons cidadãos, mas a cumprirem suas obrigações para com a Comunidade Cristã. Paulo não explica imediatamente o que essa obrigação requer, mas já se constrói uma expectativa que está relacionada, de algum modo, às circunstâncias extremas sugeridas pela sua referência ao sofrimento suportado tanto pelo remetente quanto pelos destinatários (Fl 1,29-30). Esse chamado à cidadania própria do Evangelho é reforçado pelos primeiros versículos do capítulo dois quando o amor, a compaixão e o sentido de comunidade, que vêm de Cristo, são usados como base para um renovado apelo à unidade. O problema da comunidade de Filipos é finalmente revelado como egoísmo e arrogância (Fl 2,3). A dissensão interna está ameaçando o amor, a unidade e o companheirismo na comunidade (Fl 2,14; 3,18-19; 4,2). Enquanto a causa desses problemas não é revelada, a solução proposta por Paulo é um ordenamento da forma de vida de cada um. Prioridades devem ser eleitas de acordo com um conjunto de valores que coloquem o bem-estar e os interesses dos outros acima dos interesses egocêntricos (Fl 2,3-4), uma humildade que surja da natureza mesma do ser cristão. Isso traria duas implicações: (1) os filipenses cumpririam seus deveres para com a Comunidade de fé como cidadãos do Reino de Deus; (2) a própria Comunidade seria construída em torno a um conjunto de valores e interesses diferentes daqueles que são próprios do “mundo” (Fl 3,17-20). O hino da Kénosis nesse contexto literário dá expressão ao apelo de Paulo para a realização do servir cristão.

d) Os judaizantes: antítese da kénosis de Cristo.
            Alguns cristãos não aprenderam a lição da kénosis de Cristo e anunciam o evangelho por inveja ou por rivalidade. Os judaizantes consideravam a circuncisão da carne, com todo o compromisso de observância da Lei que isso encerrava, mais importante que a cruz e a ressurreição de Cristo; entendiam a salvação como obra puramente humana e carnal, e não a obra redentora de Deus através do Cristo. Os judaizantes se apegavam a tudo que Paulo considerava como lixo em vista de Cristo. Eles agiam na Comunidade apropriando-se da designação de missionários sem assimilarem o verdadeiro sentido de serem discípulos de Cristo. E faziam sucesso entre os filipenses, deixando-os inseguros a respeito da identidade cristã, criando divisões dentro da Comunidade.
            A primeira insinuação de um problema emerge em Fl 1,27. Aqui Paulo começa a enviar recomendações práticas relacionadas à vida da Comunidade de Filipos. A ênfase em “ser firmes num só espírito” e “lutar juntos, com uma só alma” por causa do Evangelho, sugere que a unidade da comunidade precisava de fortalecimento. “Haja entre vós o mesmo sentir e pensar de Cristo Jesus” (Fl 2,5). Entendido de outra maneira, esse versículo pode ser lido assim: “tenham em vocês a mesma atitude de Cristo Jesus”. A expressão “en Christo”, como está no texto grego, é o fundamento para ter a atitude de humildade que Paulo mostrou ser necessária. É alicerçado na atitude (vida) de humildade de Cristo, que os cristãos podem também ter a mesma atitude um para com os outros. Essa compreensão de Fl 2,5 se ajusta bem com o contexto no qual Paulo elabora a natureza da conduta cristã.

CONCLUSÃO
            O movimento abaixamento-exaltação é um elemento estrutural básico da Epístola inteira. Paulo se lançou claramente no papel de servo desde a saudação inicial (Fl 1,1) e da alusão às circunstâncias em que estava vivendo (Fl 1,12-16). Ele também testemunha que desfrutou privilégios, os quais, alegremente e livremente, foram colocados à parte e considerados como lixo por causa de Cristo (Fl 3,7-9). Ele diz claramente que Deus transformará seu corpo pobre em corpo glorioso, porque Deus tem o poder de sujeitar asi todas as coisas (Fl 3,21), por isso, Paulo acha que morrer é lucro (Fl 1,21).Ele deliberadamente usa a si mesmo e as circunstâncias em que vive para ilustrar como é o exercício cristão do papel de servo. Repetidamente Paulo utiliza o termo grego fronein (fixar a mente em, ter uma atitude de), para se referir à vida de humildade e abnegação, à qual já havia convidado os filipenses (Fl 1,7). Ele também usa esse termo para falar sobre sua própria atitude de compromisso abnegado que os convida a compartilhar (Fl 3,15). Finalmente, serve-se da mesma palavra para destacar os interesses egoístas para com valores terrenos (Fl 3,19) e para recomendar como os filipenses devem se preocupar com os outros (Fl 4,10). Paulo mostra que o cumprimento das “obrigações” de um cidadão do Reino de Deus, só é possível no esvaziamento de si mesmo, e em assumir o papel de servo. Os cristãos devem estar dispostos a terem o sangue derramado (libado) no serviço dos outros (Fl 2,17), terem a mente e o estilo de vida fixa em valores que são diferentes daqueles apresentados pelo “mundo” (Fl 3,18-19).

NOTAS
[1] A Via Egnatia partia de Bizâncio e, atravessando a Trácia e a Macedônia, chegava no Adriático, terminando na Via Apia que ligava a Roma. Entre as cidades atravessadas pela Via Egnatia estavam: Filipos, Anfípolis, Apolônia e Tessalônica, que foram visitadas por Paulo (cf. At 16,12; 17,1).
[2] O termo grego diáspora geralmente é traduzido por dispersão e significa as regiões, fora de Israel, por onde os judeus estão dispersos. Literalmente o termo significa “semeadura” (do grego sporá, semente). Dessa forma, os judeus destacam que a semente de Abraão (descendência) que carregam consigo e a semente de Deus (palavra) está semeando a fé no Deus vivo e verdadeiro por entre as nações através da proclamação da Torah nas sinagogas.
[3] Consideraremos o texto de Filipenses tal como se encontra atualmente na Escritura, sem levar em conta as hipóteses sobre o processo de sua redação.


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